HECTOR BERLIOZ [1803-69]
Romeu e Julieta, Op.17: Romeu só — Grande Festa na Casa dos Capuletos [1839]
14 MIN
CARL MARIA VON WEBER [1786-1826]
Peça de Concerto Para Piano em Fá Menor, Op.79 [1821]
LARGHETTO AFFETTUOSO (ATTACCA)
ALLEGRO PASSIONATO. ADAGIO (ATTACCA)
TEMPO DI MARCIA (ATTACCA)
PIÙ MOTO. PRESTO GIOCOSO
16 MIN
FRANCISCO MIGNONE [1897-1986]
Fantasia Brasileira nº 4 [1936]
14 MIN
PYOTR IL'YICH TCHAIKOVSKY [1840-93]
Romeu e Julieta — Abertura-Fantasia [1869-70-rev.1880]
19 MIN
BERLIOZ
Romeu e Julieta, Op.17: Romeu só — Grande Festa na Casa dos Capuletos
Berlioz foi dos principais adeptos das sinfonias dramáticas e poemas sinfônicos, obras ambiciosas que reúnem os recursos da ópera, da cantata e da sinfonia em música não encenada. Romeu e Julieta, peça programática baseada na tragédia de Shakespeare, com libreto de Émile Deschamps, conta com orquestra, coro e solistas. As vozes, no entanto, têm papéis secundários: o casal de protagonistas é representado pelos instrumentos da orquestra — uma ideia ousada!
Escrita graças a uma generosa doação de Paganini, que permitiu a Berlioz pagar dívidas e se dedicar à composição, sem qualquer amarra profissional ou política, a obra obteve enorme sucesso. Paganini, seu mecenas, infelizmente morreu antes da estreia. Romeu e Julieta exerceu grande influência sobre inúmeros compositores importantes, entre os quais Wagner. Em três grandes seções, frequentemente seus trechos instrumentais são executados independentemente, como é o caso do presente concerto, em que o foco é a segunda parte da Sinfonia.
A atmosfera de cada momento da história se revela de imediato. "Romeu só" é melancólico, imerso em dúvidas, pensativo, com temas que relembram a suavidade ou a intensidade do amor. No início uma melodia extensa e dolorida no oboé se eleva sobre as cordas, em tradicional representação da alma; o canto elegíaco leva a um motivo insistente, o tema do amor. Ecos do baile se misturam à voz de Romeu, em contraponto delicado.
A "Grande Festa“ prescinde de qualquer introdução: somos jogados num turbilhão de cor e som como se, vindos de fora, adentrássemos um baile que já está a pleno vapor, com dançarinos rodopiando pelo salão. Os metais desfraldados em força total dão às danças um sabor guerreiro que o pandeiro trata de desmentir: estamos em festa, afinal. A música é vertiginosa e alegre, com ritmo dançante, como seria de se esperar, porém com uma subcorrente de ansiedade que atravessa a orquestra como um calafrio. Os instrumentos entram em redemoinho, intoxicam, empolgam, até se retraírem por um momento fugaz, revelando a voz do oboé solitário, apenas para em seguida afogá-lo nos sons da multidão, que se diverte, alheia a tudo.
LAURA RÓNAI é doutora em Música, responsável pela cadeira de
flauta transversal na UNIRIO e professora no programa de Pós-Graduação
em Música. É também diretora da Orquestra Barroca da UNIRIO.
VON WEBER
Peça de Concerto Para Piano em Fá Menor, Op.79
Carl Maria von Weber, o talentoso e conhecido compositor de ópera, também foi um excelente escritor de música de concerto. Criador de óperas como o Freischütz, Euryanthe e Oberon, entre outras, Weber também deixou grandiosos concertos e sinfonias em que ele projetou cenários pictóricos.
Sua Peça de Concerto Para Piano em Fá Menor, Op.79 narra uma história: o anseio e a lamentação de uma donzela pelo seu cavaleiro, que havia sido enviado para lutar na Guerra Santa. No entanto, o compositor compartilhou essa história somente com a sua esposa, a cantora Caroline Brandt, e com um aluno, a fim de não torná-la uma obra programática. Toda sua música instrumental possui inspiração poética, um tom narrativo que se funde com formas musicais abstratas. Em outras palavras, a inspiração é fornecida por material dramático ou impressões visuais, mas a música em si é poesia.
Julius Benedict, aluno de Weber, transcreve a história da obra como seu mestre a contou:
"A donzela está na torre do castelo e olha melancolicamente para o horizonte. O seu cavaleiro está na Guerra Santa há muitos anos. Será que ela o verá novamente? Muitas batalhas sangrentas acontecem no momento. Nenhum sinal daquele que é tudo para ela. Tudo é em vão, o seu pedido a Deus, o seu anseio pelo Senhor. Nesse momento, tem uma terrível visão. Ele está no campo de batalha, abandonado, limpando sua ferida sangrenta. Oh! Ela poderia ajudá-lo — e pelo menos morrer com ele! Ela desmaia inconsciente e exausta.
Ouça! O que é isso que soa à distância? O que brilha ao sol lá na floresta, aproximando-se cada vez mais? Os cavaleiros imponentes, todos com o sinal da cruz e agitando suas bandeiras, as pessoas aplaudindo, e lá... — é ele! Ela cai em seus braços. Que chama de amor, que felicidade indescritível. Milhares de vozes proclamam o triunfo."
Podemos ouvir essa obra visualizando essa história contada pelo próprio Weber, ao mesmo tempo em que ele a tocava, ou simplesmente admirar uma música concertante, com muitos efeitos, cores e timbres marcantes e uma virtuosidade inigualável do piano, que serviu inclusive de inspiração posteriormente para a composição de concertos como os nos 1 e 2 de Franz Liszt, nº 1 de Prokofiev e a Burlesque de Strauss.
MIGNONE
Fantasia Brasileira nº 4
Francisco Mignone formou-se em composição, piano e flauta pelo Conservatório Dramático Musical de São Paulo, em 1917. Até aquele ano, Mignone tinha atuado sob o pseudônimo de Chico Bororó, compondo músicas de inspiração popular, enquanto participava ativamente das rodas de choro em São Paulo. Em 1920, muda-se para a Itália para estudar no Conservatório de Milão, onde permanece até 1929.
Ao voltar para o Brasil, entra em contato com Mário de Andrade e suas ideias sobre música nacional. Esse fato, combinado à sua ampla experiência como músico popular, aguça em Mignone novos interesses estéticos. Um momento nacionalista de sua produção prolonga-se até 1959/1960. Mignone consolida então uma linguagem nacional, na qual estão presentes ritmos afro-brasileiros, assim como estruturas e melodias derivadas da música popular urbana. As quatro Fantasias Brasileiras para piano e orquestra são o melhor exemplo do nacionalismo do compositor.
A Fantasia Brasileira nº 4 é como uma rapsódia, na qual o piano solista realiza recitativos e cadências virtuosísticas, quase como uma livre improvisação, e também passagens rítmicas e dançantes, com grande integração à orquestra.
FABIO MARTINO é o solista dos concertos desta semana.
TCHAIKOVSKY
Romeu e Julieta — Abertura-Fantasia
Uma das peças mais populares de Shakespeare, a tragédia dos amantes de Verona exerce grande atração para músicos: é difícil resistir a uma trama que reúne inocência, paixão sensual, morte no auge da juventude e, finalmente, amor, que mesmo depois da morte logra aplacar o ódio entre clãs. A Abertura-Fantasia de Tchaikovsky trata esses elementos com o virtuosismo habitual do mestre russo. Escrita por sugestão do compositor Balakirev, recebeu críticas acerbas deste último e passou por inúmeras revisões antes de chegar à forma que conhecemos hoje. A temática era particularmente atraente para Tchaikovsky, ele mesmo vítima constante de amores impossíveis. Depois de uma estreia pouco propícia, essa viria a se tornar uma das obras mais executadas do compositor, trilha sonora de um sem-número de filmes românticos.
A história de Romeu e Julieta não é seguida passo a passo. Seus vários conflitos e personagens são apresentados de maneira a enfatizar o contraste entre eles. A bondade do Frei Lourenço (uma melodia de clarineta e fagote) nos introduz a peça, não sem o inquietante presságio das cordas graves, em passagem que sabemos ser de calma transitória. O tema colérico dos Capuletos e Montéquios, que evoca espadas se cruzando e soltando faíscas, é reforçado por trompetes e tímpanos guerreiros. Notas rápidas, agitadas, lampejam nos instrumentos da orquestra, que se entrechocam e se desafiam. No meio da balbúrdia, ouvimos o comovedor tema do amor, amaciado por bemóis, terno e apaixonado, mas com acompanhamento que deixa supor o final infeliz. A tragédia ronda o casal, encarnado pelo corne inglês (Romeu) e pelas flautas (Julieta). Delicadeza e violência coexistem, e o foco está ora no canto envolvente da dupla, ora na rivalidade dos inimigos. Ao cabo de passagens que reafirmam o poder da paixão, e anunciado pelos metais — como sempre arautos das más notícias —, o tema do embate vence o do amor. O ribombar dos tímpanos e pratos marca a morte dos apaixonados, abafando o lamento do frei, incapaz de prevenir o fúnebre desenlace.
LAURA RÓNAI é doutora em Música, responsável pela cadeira de
flauta transversal na UNIRIO e professora no programa de Pós-Graduação
em Música. É também diretora da Orquestra Barroca da UNIRIO.
Leia o ensaio "A Invenção da Brasilidade", de Celso Loureiro Chaves, aqui.