MOZART
O Empresário, KV 486: Abertura
Clareza, transparência e equilíbrio. Tais características se aplicam invariavelmente à música de Mozart, que conseguiu acrescentar à perfeição clássica do seu artesanato uma sublime e inconfundível expressão pessoal. Deixando uma vasta produção musical, em seus 35 anos de vida, Mozart abordou com especial maestria o gênero operístico, com libretos em italiano e em alemão.
A ópera em um ato Der Schauspieldirektor [O Empresário] foi composta em 1786, sobre libreto de Gottlieb Stephanie, e estreada no Castelo de Schönbrunn, em Viena, durante evento promovido pelo imperador Joseph II [...]. Não há, contudo, como comparar essa obra mozartiana com a sua trilogia italiana em colaboração com Lorenzo da Ponte – Bodas de Fígaro (1786), Don Giovanni (1787) e Così Fan Tutte (1790) –, muito menos com sua última experiência operística em alemão, Flauta Mágica (1791).
Em cerca de 60 minutos de ópera, O Empresário tem aproximadamente meia hora de texto falado e meia hora de música cantada. Sua “Abertura”, contudo, exibe em doses generosas a reluzente linguagem de Mozart, na elegância do estilo e pertinente manipulação formal. Usando, com originalidade, a estrutura da forma-sonata, Mozart antecipa a consistência do desenvolvimento temático beethoveniano e as futuras cintilações rossinianas, que mais tarde consolidariam o gênero lírico.
RONALDO MIRANDA é compositor e professor do Departamento de Música
da ECA–USP. Entre outras obras de sua autoria encomendadas pela Osesp,
estão o Concerto para Violino (2010) e as Variações Temporais (2014).
MOZART
Sinfonia nº 33 em Si Bemol Maior, KV 319
Embora várias sinfonias de Mozart se organizem em três movimentos, é possível notar uma tendência para equilibrar a forma geral em quatro movimentos, especialmente na produção da década de 1780, quando o compositor se radicou em Viena. O fato de a Sinfonia nº 33 ter sido escrita ainda em Salzburg (1779), inicialmente seccionada em “Allegro Assai”, “Andante Moderato” e “Allegro Assai”, pode explicar a escolha, menos usual, do compasso ternário para o “Allegro” inicial. A principal diferença entre as sinfonias de três e de quatro movimentos é que nas de quatro havia a inserção de um minueto (uma dança ternária) antes do “Finale”. Ao reservar a utilização do compasso ternário somente para essa dança, os compositores conseguiam manipular a organização do tempo de modo a provocar jogos rítmicos que se contrapusessem aos já consolidados compassos de dois ou quatro tempos, estabelecidos nos movimentos iniciais.
Mas o que acontece na Sinfonia nº 33 é algo ainda mais particular: uma decisão a posteriori de escrever e incorporar o minueto, por ocasião de uma apresentação em Viena em meados dos anos 1780. Desde então, a sinfonia passou a ter dois movimentos ternários (I e III) e dois binários (II e IV).
Assim como ocorre no Concerto em Fá de Haydn, a escrita camerística pode ser observada ao longo de toda a peça e, nesse sentido, a participação do naipe de sopros − constituído aqui apenas pelas trompas e pelos instrumentos de palheta dupla (oboés e fagotes) − é decisiva para a trama. No engenhoso primeiro movimento, na tonalidade principal, chama a atenção a extrema concisão dos materiais temáticos; Mozart deriva uma série de fragmentos a partir de um único arpejo descendente, que pode ser ouvido nas cordas graves já no compasso inicial. A escala ascendente que se segue nos violinos traz uma sutil passagem cromática, que mais à frente também será objeto de exploração.
Após o denso “Andante” e o breve “Minueto”, a peça termina com mais um “Allegro”. Combinando virtuosismo e leveza, o movimento reserva ainda lugar para uma última surpresa, uma melodia cantabile (segundo tema), que evoca a fluência da escrita vocal, tão característica do compositor.
SERGIO MOLINA é compositor, Doutor em Música pela USP,
coordenador da Pós-Graduação em Canção Popular na FASM (SP)
e professor de Composição no ICG/UEPA de Belém.